domingo, 5 de junho de 2016

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Um filme: “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza
Para Rosa Lopes Martins

Maio de 1979: José Ibrahim chega ao aeroporto de Viracopos em Campinas depois de dez anos de exílio no México, Cuba, Panamá, Chile e Bélgica. As imagens do final do filme “Passaporte para Osasco”, de Rui de Souza (2016, 90 min.), retomam as lembranças de um período da história da cidade: a greve de julho de 1968.
Há depoimentos do líder sindical e dos seus companheiros operários: José Groff, João Joaquim da Silva, Roque Aparecido da Silva, Inácio Pereira Gurgel, Terezinha de Jesus Gurgel, Antonio Roberto Espinosa – e das professoras Helena Pignatari Werner e Risomar Fasanaro.
A greve de 16 de julho de 1968 não foi apenas reivindicatória – contra o arrocho salarial, direito à greve, mas política – e houve ocupação de fábrica. Foi organizada a partir da Comissão de Fábrica da Cobrasma e do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco – e outras empresas da cidade também paralisaram: Brown Boveri, Braseixos, Barreto Keller, Lonaflex. Foi um movimento libertário de enfrentamento da ditadura militar no Brasil.
Os grevistas pagaram um alto preço pela ousadia de desafiar a tirania. José Ibrahim foi  preso, torturado, exilado, e os trabalhadores foram fichados pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Perseguidos pela repressão policial, constantemente vigiados, não conseguiam trabalho nas fábricas.
Quem eram os outros companheiros? José Campos Barreto permaneceu 90 dias preso depois da greve, e entrou para a clandestinidade, assassinado com o Capitão Carlos Lamarca em 1971; João Batista Cândido mudou-se para São José dos Campos; o padre operário Pierre Joseph Wauthier foi expulso do Brasil. Pedro Tintino da Silva e Joaquim Miranda permaneceram na cidade.
Qual o papel dos estudantes na revolta operária? As escolas públicas da cidade, GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino), e Ceneart  (Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares)  , eram frequentadas pelos estudantes-operários – e foram centros de agitação política-ideológica. O presidente da UEO (União dos Estudantes de Osasco), Gabriel Roberto Figueiredo, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), foi  preso no 4º Regimento de Infantaria em Quitaúna depois do golpe de 1964. A UEO foi extinta, e os estudantes fundaram o CEO (Centro Estudantil de Osasco), e José Campos Barreto, aluno do Curso Clássico no Ceneart e operário da Cobrasma, foi seu primeiro presidente.
Qual o papel das mulheres no movimento grevista? As operárias da fábrica de fósforos Granada entraram em greve em solidariedade, e foram em passeata até o sindicato. A professora de História, Helena Pignatari Werner, também presa no 4º R.I. em 1964, continuou lecionando na Escola Estadual Antonio Raposo Tavares; escreveu o livro “Raízes do movimento operário em Osasco” (Cortez Editora, São Paulo, 1981, 152 pp).  A escritora-poetisa Risomar Fasanaro militou junto aos movimentos culturais da cidade durante os anos de resistência.
Qual o papel da Igreja Católica na organização dos trabalhadores? Foram cinco movimentos: as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), a presença dos padres operários, a ACO (Ação Católica Operária), a Frente Nacional do Trabalho, a JOC (Juventude Operária Católica). Os militantes da FNT Albertino de Souza Oliva, Antonio Vieira de Barros, Odim Jiorjon e Maria Santina  vivem na cidade; Alberto Abib Andery vive em São Paulo. Padre Domingos Barbé faleceu em 1988, e padre Rafael (Antonio Álico Busato) em 2002.
Quais personagens o filme recorda – e que não estão mais presentes? O estudante Sergio Zanardi se suicidou; João Domingos da Silva morreu no Hospital Geral do Exército em São Paulo; Eremias Delizoicov, estudante secundarista do bairro da Moóca, engajado na campanha do Fundo de Greve, morto em 1969 - são alguns deles. E aqueles que não foram citados: Maria de Lourdes Vieira Brengel, militante da JOC, faleceu em 2013; e o professor de História no Gepa (Ginásio Estadual de Presidente Altino), Josué Augusto da Silva Leite.
Os depoimentos recordam como os sindicalistas se engajaram na luta armada, a guerrilha revolucionária:  Roque Aparecido da Silva, José Ibrahim e Eremias Delizoicov militaram na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária); Antonio Roberto Espinosa e José Campos Barreto na VPR, e depois, na Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares.
Foi com emoção que assisti ao testemunho de José Groff, meu irmão-camarada desde os anos jovens.  E as tristes imagens do jovem sindicalista José Ibrahim partindo para o desterro no avião Hércules da FAB  no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro. Em 1979, estava entre os que foram recepcioná-lo no aeroporto de Viracopos em Campinas – e depois, em uma festa para comemorar a volta do exílio, na casa da sua mãe no bairro de Presidente Altino.
“Primeiro de Maio não é primeiro de abril”, de 1989, é o primeiro filme do osasquense Rui de Souza. A produção, roteiro e direção de “Passaporte para Osasco” não teve  nenhum tipo de financiamento, privado ou estatal, e contou com o apoio da Comissão Municipal da Verdade de Osasco. É uma realização do Cineclube Alto do Farol, Cineclube Konopheria e Centro Cineclubista de São Paulo; teve a fotografia de João Brito Neto – e levou mais de dez anos para ser finalizado. Os depoimentos foram filmados entre 2005 e 2007, e José Groff,  José Ibrahim, Inácio Pereira Gurgel  não sobreviveram para assistir ao filme, mas entraram para a História – e estarão sempre presentes em nossa memória.
Osasco, a cidade marcada pela resistência à ditadura militar, foi estigmatizada como a cidade da violência pela imprensa golpista. O filme de Rui de Souza registra a história dos que ousaram desafiar a propaganda fascista, a repressão, a prisão, o exílio, a tortura, o suicídio, a morte e desaparecimento de presos políticos.

João dos Reis, Professor de Filosofia e Jornalista.     Também colabora com o blog da querida amiga Risomar Fasanaro, que eu sigo :                                                           http://risomarfasanaro.blogspot.com.br/

30/05/2016





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